terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

FAMILIA E SAUDADES - TIO KLAUSS

               Primeiro a lembrança infantil de quando bem pequena eu pintava o rosto de vovó Erninha de batom e lápis de maquiagem, e ela pacientemente ficava deitada em meu colo. Logo que terminava a palhaçada no rosto da minha paciente e linda avó eu fugia pela Rua Rio de Janeiro, BH a fora, para que ela saísse correndo atrás de mim e evitasse um atropelamento. Tio Klauss morria de rir...
               Ele que nascera a 12 de agosto de 1928 não tinha muita diferença de mim, que sou de 1934. Mais tarde, já mocinha, eu era toda vaidosa de aprender ballet com ele. 

Tio Klaus Vianna - dando aula

               Não vou discorrer sobre sua carreira. Muitos já  falaram sobre ela e há muitos teatros Klauss Vianna espalhados no Brasil. 
              Joana Ribeiro da Silva Tavares foi muito feliz quando escreveu o livro DO COREÓGRAFO AO DIRETOR.
              Vou falar das minhas lembranças, das alegrias e da tristeza quando voltava da Venezuela e soube, no Rio de Janeiro, do grande enfarte que ele tinha tido, com parada cardíaca, e que tinha voltado, graças a Deus, por uma massagem que um médico havia feito - tão demorada que havia lhe quebrado uma costela.
              Esse médico, bem me lembro, se chamava Pierre, e tinha sido um herói do pronto socorro chamado justamente quando estava passando naquela rua. Direto fomos vê-lo no hospital - meu marido e eu. Pegamos seus exames e fomos à São Paulo levá-los ao Dr. Adib Jatene, que se dispôs a operá-lo.
              Fez umas quantas pontes de safena e ficou  bom por cerca de 20 anos, quando então lhe foi indicada, pelo mesmo médico, a troca de coração.
              Mais tarde tivemos um encontro também emocionante em São Paulo: em um grande salão, às 6 horas da tarde, Tio Klauss recebia um grupo numeroso de pessoas. Ele conseguia fazê-las descansar dos trabalhos e tensões do dia com um microfone potente nas mãos num trabalho de conscientização do corpo. Todos começavam como se nascessem do útero de suas mães, enrodilhados no chão, e terminavam saltando como alces .
             Minha filha  Andréa que havia chegado com olheiras de cansaço saltava leve e corada, descansada e feliz.

               Meu  tio Klauss era um  verdadeiro feiticeiro. 
              Quando teve a parada cardíaca sua alma se desprendeu do corpo e olhava de cima o que acontecia sem querer voltar para a prisão do corpo, sentindo uma sensação de infinita liberdade. Foi várias vezes chamado a televisão para narrar o acontecido. 
               Quando morreu já estavam conseguindo o doador do coração compatível para o seu transplante.  Mamãe era ainda viva e tive que distraí-la para não ver televisão, pois noticiavam à miúdo sua morte; por isso nem pude ir ao enterro.
Tio Klaus

               Guardo ainda comigo o folheto de sua Missa de 7 dias de falecimento. Na capa estava escrito:

A  ARTE É ANTES DE TUDO UM GESTO DE VIDA.
É POSSIVEL PENSAR A DANÇA COMO
UMA DAS  RARAS ATIVIDADES EM QUE
UM HOMEM  SE ENGAJA PLENAMENTE
DE CORPO, ESPíRITO E EMOÇÃO.
MAIS QUE UMA MANEIRA DE EXPRIMIR-SE
ATRAVÉS DO MOVIMENTO, A DANÇA É
UM MODO DE EXISTIR - É TAMBEM
A REALIZAÇÃO DA COMUNIDADE VIVA DOS HOMENS

                                                                                                               KLAUSS  VIANNA


                Não sei mais quem fez o folheto da Missa.  Se tio Rui, seu irmão, ou sua esposa Angel. Só sei que foi alguém de muito bom gosto e capricho. E na última folha tinha um  verso de Fernando Pessoa.

Fernando Pessoa
                     
                             NÃO DIGAS NADA.
                             SUPOR O QUE DIRÁ
                             A TUA BOCA VELADA
                             É OUVÍ-LO JÁ;
                             É OUVI-LO MELHOR
                             DO QUE O DIRIAS
                             O QUE ÉS
                             NÃO VE À FLOR
                             DAS FRASES E DOS DIAS.
                             NÃO  DIGAS NADA:
                             SÊ.
                             GRAÇA DO CORPO NU
                             QUE INVISÍVEL SE VÊ


Carlos Drumond de Andrade.
Lembrete:

Se procurar bem, você acaba encontrando
Não a explicação (duvidosa) da vida,
Mas a poesia (inexplicável) da vida.
          
                           Carlos Drumond de Andrade. 
                            


    .

Um comentário:

  1. Santuzza, a vida nos dá lições e caminhos... Somos herdeiros de tantos... caminhos e sonhos.
    A morte é dura... Gera uma sensação de ausência; até, que descubramos que tanta vida e tanto amor encontram-se germinados no nosso próprio coração... caminhos e sonhos, a caminhdada que prossegue com uma nova composição: somos nós, e somos todos, os amores e as flores que um dia fertilizaram nossa vida e nos fizeram ver Deus num canto de um passarinho ou no silêncio de uma oração...
    Abraços com ternura e carinho, seu amigo, Jorge Bichuetti...

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